Conexões que restauram, conexões que esgotam

Vivemos em um tempo de crise, onde as palavras de vida e de morte são utilizadas, às vezes, como se tivessem o mesmo sentido. A palavra conexão passa por esta experiência. Conectar-se significa estar ligado, estar em união, manter um vínculo e relação. Mas também sugere um modelo de conexão onde nos sintamos mais vivos, autoconscientes e gestores de nossa própria existência.

Na sociedade do desempenho, no entanto, conexão tornou-se, segundo Pal Pélbart, uma política de subjetivação, através de um fenômeno denominado “turbocapitalismo”, onde o ser humano se vê irrefreavelmente inserido em redes de conexões saturadas, de todas as ordens, infinitas, que debilitam sua atenção e que subtraem seu tempo. É importante lembrar que, diante de múltiplos estímulos apresentados a um só tempo, o ser humano se vê com sua atenção debilitada, sem capacidade de reflexão, de aprofundamento, de contemplação, e de formular respostas (à crise) criativas. Assim se delineia a Sociedade do Cansaço, apresentada por Byung-Chul Han (Editora Vozes, 2017). A grande contradição deste tempo, segunda Han, é que na sociedade do desempenho, reunimos a um só tempo, dentro de nós, o opressor e o oprimido. Cada um carrega, dentro de si, em forma de aspirações, o ideário do desempenho máximo. E confundimos trabalho à exaustão com empreendedorismo, assim como não sabemos mais distinguir o espaço do trabalho do espaço sagrado de nossos lares, a vida pessoal da vida profissional, o tempo da produção do tempo da existência.

Neste contexto de adoecimento, das conexões que esgotam, adoecem e deprimem, os terapeutas precisamos, cada dia mais, compreender o que são, podem ser e precisam ser as conexões que restauram, já que estamos trabalhando em um campo sutil.

Do ponto de vista epistemológico ocidental, aprendemos, desde Descartes, que conhecer é separar, desconectar, fragmentar. Como nos chama a atenção Viveiros de Castro, conhecer, para nós, é “dessubjetivar”, ou seja, buscar uma dimensão, naquilo ou naquele que se conhece, que seja desprovida da possível subjetividade que se projeta. Nesta perspectiva, conhecer é cortar os vínculos possíveis entre o que conhece e o que é conhecido, na ilusão de que neste há uma dimensão intrínseca. Na perspectiva contrária, na epistemologia xamânica, conhecer é, segundo Viveiros de Castro, “personificar”, tomar o ponto de vista daquilo que se conhece. Em outras palavras, conhecer seria estabelecer relações onde o outro (pessoa ou não) é afirmado em sua legitimidade de ser sujeito de uma relação. Conhecer, então, seria conectar-se a algo, e conferir-lhe subjetividade através de uma escuta. O conhecimento, enfim, seria o fenômeno que emerge em uma relação e conexão entre sujeitos que falam e se ouvem. Este é o sentido maior das conexões que restauram.

A Medicina BioFAO insere-se no horizonte das conexões que restauram. Promove a cura, porque conecta, porque busca trazer autoconsciência. Ao meu ver, a grande Alma desta Medicina foi ter colocado no eixo da terapêutica, a Vida que se manifesta e fala, e não um saber médico ou técnico. O médico BioFAO é aquele que concebe a vida em uma perspectiva energética, sutil e delicada, e se coloca à escuta profunda de seus movimentos. Ela, através do Biocampo, é o grande SUJEITO desta Medicina, que conduz a terapêutica há mais de 30 anos. A pesquisa BioFAO assume a cartografia como a metodologia capaz de acompanhar e mapear a Vida em seus movimentos. Exatamente por isso se chegou tão longe, e numa terapêutica tão sublime.

Como todos os dispositivos com capacidade de interromper o projeto adoecido de mundo, esta Medicina se tece e entretece na contra-epistemologia dos saberes médicos. Ela não se encontra fora dos sistemas hegemônicos, e nem às margens; muito menos ainda tendo, como referência, os modelos hegemônicos. A Medicina BioFAO, ao contrário disso, constitui uma contraepistemologia, que vem lembrar ao mundo a importância de sua diversidade epistemológica em relação aos sistemas de cuidado com a Vida. Para não sucumbirmos nesta Jornada, precisamos sempre nos mantermos conectados, conosco mesmo e com o mundo, para que, estando a serviço da Vida, possamos, a um só tempo, conjugar os mais altos propósitos individuais e coletivos de nossa vocação.

Referências:

HAN, Byung–Chul. Sociedade do Cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. 2ª edição ampliada. Petrópolis: Vozes, 2017.

PELBERT, PETER PÁL. Tudo é feito para a conexão absoluta, a mais saturada possível. Entrevista à Revista Continente. Em 29 de novembro de 2015. Disponível em: ttps://www.revistacontinente.com.br/especial/19362-tudo-é-feito-para-conexão-absoluta,-a-mais-saturada-possível.html.

VIVEIROS DE CASTRO, E. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2002.

Compartilhar:

Veja Também