Os sentidos da categoria Terapêutico

Maristela Barenco

A palavra Terapeuta vem sendo utilizada, popularizada e expandida, em diversas culturas e orientações, para caracterizar um profissional que trabalha na área da saúde. Como tudo o que se expande e populariza, essa palavra também vem perdendo seu significado há tempos. O objetivo desse breve artigo é resgatar esses sentidos.

Segundo Leloup 1 (2018), a palavra terapeuta que usamos, vem do grego, ‘therapeutés’, mas a partir de uma herança hebraica, “yarhid”. Se o conceito grego significa “cuidar, servir, atender, aliviar”, a palavra hebraica significa “único”, “unificado”, “alguém que trabalha na unificação”: alguém que re-liga o Ser. De acordo com o filósofo helênico Fílon de Alexandria, terapeutas eram homens e mulheres que, no ano 1 d.C., viviam no Egito, nas proximidades do Lago Mareótis. Essas pessoas compartilhavam algumas características comuns: o fato de viverem em Comunidade, de viverem em harmonia secreta com a natureza, de cultivarem uma relação com a dimensão espiritual e com uma realidade que ia além dessa terrena, palpável, material.

Eles acreditavam em uma dimensão que nos atravessa, mas que vai além de nós: o Ser. Para eles, o Ser é uma presença que habita o humano, que é permanente e infinita. Segundo Leloup, para essa tradição, cuidar do Ser era a capacidade de cuidar do que ‘vai bem’ e poderíamos dizer, do que é sempre vivo, naquele que ‘vai mal’, sua dimensão finita e fugaz. Finalmente, os terapeutas se apoiavam em uma antropologia que não opunha corpo e alma, mas, pelo contrário, concebia o humano em seu aspecto físico, psíquico,

espiritual.

A contribuição e a releitura de Leloup é muito importante ao resgate dos sentidos dessa categoria, porque retoma ao menos uma dimensão que vem sendo produzida como ausência nas formas de cuidar, e que, não sendo afirmada, aliena qualquer processo de cuidado com o ser humano: a visão lúcida.

Para isso o autor traz dois sentidos etimológicos que estão na palavra grega Therapeuta. O primeiro é ‘Theós’, que significa Deus, mas que na versão latina, ‘Dies’, significa “Dia”. Assim, na base da palavra Terapeuta, está o sentido ‘daquele que se coloca a serviço da Luz, em si e nos outros’. Leloup nos lembra que a Luz é o que existe antes da matéria, é a matéria como potência. O segundo é ‘Theoria’, que significa ‘Visão/Contemplação’. E aqui vemos que há um sentido mais profundo. Não basta existir a Luz, mas é preciso a capacidade para vê-la e contemplá-la.

Nessa incursão etimológica, Therapeuta, então, seria, segundo Leloup, aquele que aprende a ver claro, e que está a serviço daquele que se reconhece cego, para que ele possa reencontrar a sua visão. Mas se a doença é uma ausência de visão, o que, de fato, segundo esses terapeutas, a pessoa adoecida não enxerga e vê? Ela não vê o fundamento vivo e sagrado do seu ser: a presença do Ser, daquele que É e sempre será. O Terapeuta, então, também é aquele que vivifica o outro, através da rememoração do seu fundamento como alguém que é habitado pelo Ser, essa paisagem eterna e imortal que lhe habita.

Uma tradição que, de fato, perdemos, consiste em uma metodologia de cuidado terapêutico, que orienta o processo de cura a partir daquilo que está saudável em um ser que está adoecido: a presença do Vivente. Assim, cuidar do Ser, em uma pessoa, é reconhecer a sua saúde inata, uma dimensão em si que nenhuma doença pode corroer ou danificar. Ainda que alguém seja acometido por sofrimento, dor e até morte, a tarefa do Therapeuta seria possibilitar que essas crises sejam vistas na claridade de um Ser que é eterno.

Em outra passagem, Jean-Yves Leloup nos traz uma imagem mais concreta do que seria essa Medicina do Ser. No Evangelho de Lucas, 8, 22-25, vemos a presença de Jesus e seus discípulos, no Lago de Tiberíades: enquanto Jesus dormia no fundo do barco, que era agitado pelas ondas, os discípulos estavam aterrorizados. Leloup nos diz que o Ser é essa presença dentro de nós que dorme, serenamente, o barco de nossa existência, independente das tempestades que experimentamos. A tarefa do Therapeuta é lembrar e despertar essa Presença que nos habita. Para ele, cuidar de alguém doente não é somente tratar das ondas e considerar a tempestade que o agita, mas facilitar que a pessoa recorde dessa Presença no fundo de sua embarcação, que dorme calmamente, independente das circunstâncias.

Tenho pensado, como pensadora e terapeuta, que a primeira doença que tem acometido a humanidade capitalista é a negação da presença desse Ser dentro de nós. Como filhos pródigos, deixamos o paraíso que nos foi concedido simbolicamente como criaturas, afastando-nos e suplantando, por completo, a ligação com a fonte criadora, de onde nossa vida emana. Porque esquecemos o Ser, tornamo-nos cegos, perdemos uma visão lúcida. E por isso adoecemos.

Para sermos Terapeutas, precisamos, antes de ajudarmos ao outro, reaprendermos a ver claro e a reencontrar a lucidez dentro de nós. Para mim, a visão lúcida nasce de uma mente que é capaz de alinhar aquilo que sente ao que pensa, ao que fala e ao que faz. É uma mente alinhada, auto- organizadora.

Se os Terapeutas antigos nos ensinam que o corpo é uma espécie de lugar-condição em que a Vida (o Ser, o Vivente) experimenta a si mesma de diversas maneiras, precisamos nos perguntar: De que formas nós temos possibilitado que a Vida faça expressão plena em nós? Qual tem sido a nossa disponibilidade real para acolher e cuidar da Vida a partir de mim? Fato é que sem reencontramos a luz em nós, e aprendermos a ver claro, não conseguiremos ajudar aqueles que perderam a sua visão. Fica o convite à reflexão!

Referência: 1 Leloup, Jean-Yves. 2018. A Sabedoria que Cura. Petrópolis: Editora Vozes.

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